Um acidente de trânsito sob 4 olhares
Antes de sair de casa hoje tive que ouvir mais uma vez minha mulher falando no ouvido sobre as contas vencendo e eu nada fazendo. Até parece... se fosse fácil dela entender não estaria me jogando na cara. Quanto ela acha que ganha um policial militar em início de carreira? Ainda com todas as dificuldades que temos... ela acha que ter vida de princesa é fácil. Fora as crianças que nem se fala tamanha despesa...
Vou acabar de somar esses boletos no carro antes de ir para a delegacia. Ainda bem que trouxe o uniforme para casa ontem e já estou com ele. Não perco tempo no vestiário e uso este tempo para fazer milagre com essas contas... maiores que meu salário.
Entrei no carro e comecei abrindo a calculadora do celular. Com menos de um minuto somando os boletos já percebi que o salário não vai dar para pagar tudo. Foi quando ouvi um estrondo vindo do final da rua. Deu para ver daqui um carro saindo da garagem e atravessado na lateral de um outro.
Pensei: ou me aproveitar do momento. É agora, ou vou perder esta oportunidade? Liguei meu carro e me dirigi até o fim da rua para tirar uma grana fácil daquele distraído.
Chegando na frente da casa já percebi que seria fácil, vendo o estado emocional do motorista. Tática do medo e da culpa para cima dele!
Saio do carro e vou andando em direção a ele.
─ O senhor que é o motorista?
─ Sim. Eu estava...
─ Ali tem 2 mulheres e uma criança, a situação não é boa pro seu lado. Podia ter sido pior.
─ Não senhor, uma delas é minha espo...
─ Vamos falar entre nós aqui. Dá pra ver que o senhor é o responsável e vai ter que cobrir a perda na lateral do carro dela, que não é pequena, então... Vamos fazer o seguinte: fazemos um acordo aqui entre nós e eu dou um jeitinho no que vou dizer aqui no documento, pra aliviar o seu lado... o que o senhor me diz?
─ O que o senhor pode fazer?
─ Eu não vou nem falar do conserto do carro da dona ali e talvez até o tratamento do menino que parece que se machucou.
─ Tem que chamar uma ambulância, será?
─ Eu já providenciei isso... mas aqui a gente vai ficar no mínimo uns 1.000...
─ Tá. Só deixa eu pegar ali. Eu moro aqui nesta casa. – ele me falou apontando para a casa que estava atrás dele.
E eu me distanciei para ligar para uma ambulância enquanto a mulher (acho que era esposa dele) vinha na nossa direção. E assim já garanti as contas do mês.
Texto de autoria de
Kenio Nogueira
Escritor, poeta e autor do blog Novelas do Kurushetra.
Seja um assinante VIP de nossas publicações. Cadastrando seus dados terá acesso prioritário e descontos em cursos.
Todos os direitos reservados.