Pontos de Vista | O Motorista

Um acidente de trânsito sob 4 olhares

O Motorista

Parece que sempre que eu estou atrasado a Sara resolve discutir os afazeres do dia com a diarista...

─ Vamos Sara, estamos atrasados! Precisamos sair agora mesmo...


─ Já vou, estou indo amor...

E assim entrei no carro às pressas segurando minha pasta cheia de contratos, apólices de seguros, recibos e outras burocracias para o cliente assinar durante a reunião de hoje. Sendo que ela está programada para começar exatamente daqui a 20 minutos. Embora o trânsito não esteja muito congestionado hoje, nem com as avenidas totalmente abertas eu chegaria lá dentro desse tempo.

Em domingos normais, quando as vias estão totalmente livres, eu nunca demandei menos do que 35 minutos no percurso até o escritório. Eu conheço esse tempo quase com exatidão matemática porque já foram várias horas extras trabalhando no domingo...

Ah! Até que enfim... a Sara está entrando no carro.

─ Oi amor... desculpa, mas é que... Aaai!

Nem a deixei terminar de falar já arranquei com o carro; que, por sinal, já estava com o motor ligado esperando pela “Srª Atraso”.

─ O que é isso Mauro? Pra que tanta... Cuidado!!!

Bati. Bati na lateral de um outro carro que passava bem em frente à saída da nossa garagem. Só me faltava isso agora para completar o dia. Nem bem começou já posso antever o que virá pelo restante dele. E ainda por cima tenho que ouvir a “voz da razão”.


─ Bonito né Mauro? Isso que dá a pressa de não olhar pro lado antes de sair da garagem!


Como eu não podia fazer mais nada além de resolver a questão, saí do carro para ver o outro motorista, se estava tudo bem com ele. Já levantando do meu assento percebi que era uma motorista; aliás, pude ver também que trazia uma criança sentada em sua cadeirinha, no banco de trás do carro.


A Sara não perdeu tempo mesmo. Quando eu olho para trás, para dentro do carro, já a vejo falando ao telefone com a companhia de seguro. Olho para frente e vejo que a criança do carro está chorando (aparentemente bem) e a motorista tentando acalmá-la. "Deve ser a mãe", penso eu.


Nisso a Sara sai do carro dizendo que já havia falado com o seguro e chamado o policial de trânsito para o B.O.


Antes que eu pudesse sequer falar com a motorista a Sara já se encaminha ao carro dela e se antecipa na conversa. Aproveitei para pegar o celular e cancelar todos meus compromissos. Não sei, mas fiquei meio absorto. Parece que em questão de minutos se passaram algumas horas? Quando vi, o policial de trânsito estava chegando e já se dirigindo a mim.


─ O senhor que é o motorista?


─ Sim. Eu estava...


─ Ali tem 2 mulheres uma criança, a situação não é boa pro seu lado. Podia ter sido pior.


─ Não senhor, uma delas é minha espo...


─ Vamos falar entre nós aqui. Dá pra ver que o senhor é o responsável e vai ter que cobrir a perda na lateral do carro dela, que não é pequena, então... Vamos fazer o seguinte: fazemos um acordo aqui entre nós e eu dou um jeitinho no que vou dizer aqui no documento, pra aliviar o seu lado... o que o senhor me diz?


Eu fiquei estupefato com o que acabara de ouvir. Nisso, eu olho para os lados e só consigo ver a Sara tentando ajudar a mulher que ainda estava no carro, aflita com a criança que não parava de chorar, aos berros.


Atordoado com toda aquela cena, indignado, sem pensar, e na ânsia de resolver logo tudo... eu disse “sim” ao policial.

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Texto de autoria de

Kenio Nogueira

Escritor, poeta e autor do blog Novelas do Kurushetra.

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