Um conto de amor e despedida
─ “Eu não posso falar agora!”; disse Eduardo a caminho do trabalho, andando apressado pela rua.
─ “Então vou fazer o quê? Ficar te esperando até a noite pra resolvermos nossa vida? O trabalho é mais importante que nós dois?”; falou – aos berros – Jaqueline do outro lado da linha enquanto parte da ligação falhava para o Eduardo.
─ “O quê? Não ouvi direito…”; respondeu ele.
─ “Eu disse que precisamos resolver isso agora mesmo. Não vou ficar te esperando o dia inteiro. Eu não consigo esperar até lá. O seu trabalho pode esperar. Aliás foi sempre isso né… O seu trabalho, a sua vida, a sua mãe, o seu dinheiro e o seu egoísmo que colocou a gente nessa vida sem sentido. Eu não aguento mais, Eduardo!”; retruca Jaqueline com a voz tensa e chorosa.
Eduardo então interrompe Jaqueline, num ímpeto de fúria, ao ouvir a palavra mãe:
─ “Ah não! Espera aí… minha mãe não tem nada a ver com isso. Desde que viemos pra cá ela sempre nos ajudou… aliás, quem é que ia lá em casa todo dia pra ouvir você chorar, ouvir suas lamentações, suas reclamações de que não tinha emprego, não conseguia trabalho, ninguém te contratava… eu disse pra você não se preocupar com isso. Eu estou ganhando bem e você não precisava se preocupar com isso. E mamãe lá, te ouvindo, te aconselhando com toda a paciência que ela tem, eu não tenho culpa se…”;
─ “Pode parar por aí porque sua mãe ia lá e quem mais falava era ela e não eu. Ficava só falando do filhinho dela, do emprego e do cargo importante que você tem e as babaquices que sua família inteira dá valor, e você sabe muito bem que eu não estou nem aí. Não vê que eu estou infeliz?”; gritou Jaqueline na última frase, jogando o telefone na cama que estava à sua frente.
─ “Escuta Jaque… escuta… olha uma coisa… eu nem sei o que dizer pra você! Foi você quem quis vir pra cá, lembra? Foi você quem insistiu pra eu pegar esse emprego, disse que ia ser melhor pra gente, ia nos fazer bem e que com o dinheiro íamos economizar, poderíamos dar entrada numa casa boa em menos de 3 anos, tá lembrada?”
Passam-se 3 segundos e ele não ouve resposta do outro lado. Pergunta:
─ “Jaque...? Jaque alô! Alô... você tá aí?”. Ouve ao longe breves soluços e choros como resposta e desliga.
Trinta segundos depois, ao chegar próximo a um semáforo o telefone toca novamente…
─ “Por que você desligou seu insensível?! P.q.p... que m… Eduardo! Não vê que não dá mais pra continuar assim (?) e você continua fugindo!”; falou Jaqueline com a voz angustiada, enquanto arrumava uma pequena mala e falava ao viva-voz do celular.
─ “Meu amor… Jaque… acabamos de comprar essa casa que foi você que escolheu, é do seu jeito, pintou tudo das cores que você queria, decorou e fez tudo do seu jeito. Agora eu tenho que trabalhar pra pagar as prestações… elas não estão pagas ainda. A casa é do banco; você entende?”; responde calmamente Eduardo enquanto aguarda o semáforo abrir.
─ “Cara… você não entende que eu fico aqui o dia inteiro sozinha, 7 dias por semana, feriado, Natal, ano novo, aniversário… Eduardo(!) quantos aniversários a gente comemorou junto Eduardo… hein?! Nenhum, Eduardo; nenhum! Que p… de vida é essa, meu...?!”; Jaqueline começa a chorar novamente.
─ “O meu trabalho é muito importante, eu tenho que…”
Jaqueline interrompe e fala aos prantos: ─ “Você não precisa mais voltar hoje pra casa…”.
─ “Que história é essa Jaque, não é a primeira vez que falamos disso. Até eu receber aquela promoção eu vou ter que fazer por merecer e aí as coisas vão mudar porque no novo cargo eu posso fazer muita coisa de home office, a gente já tinha falado sobre isso… Jaque quantas vezes… aliás toda vez que tem uma data especial é essa discussão. Eu tô de…”; fala já impaciente o Eduardo, e pensa em desligar quando sente um forte esbarrão no lado do corpo onde segurava o celular.
─“Não quero saber Eduardo. Pra mim chega! Eu não casei com o seu escritório, com esta casa ou com a sua mãe que vem todo dia aqui só porque você pede a ela, pra diminuir a responsabilidade do filhinho dela. P… Eduardo eu me casei com você, será que não entende? Meu, nem parece que essa é a nossa casa! Como é que vamos ter filho desse jeito Eduar….”
Jaqueline é interrompida bruscamente com um barulho de buzina ensurdecedor que veio pelo celular, junto de gritos e berros de pessoas. Ao fundo ela consegue ouvir uma voz desconhecida dizendo: ─ "Ajuda o cara! Ajuda o cara. Chama o SAMU agora."
Também ouve outras vozes misturadas:
─ "Não mexe nele, tá feio…!"; voz 1
─ "Ali no chão é o celular dele… a maleta!"; voz 2
─ "Eu vi sim, foi um moleque que passou correndo. Parece que tentou roubar o celular dele e ele agarrou o moleque na hora pelo braço"; voz 3
─ “Eu só vi ele puxando o menino mas o menino era mais forte e jogou ele pra rua pra escapar... aí veio um caminhão que ia furar o sinal amarelo e pegou ele… ai que horrível!”; disse a voz 2
─ “Alô?”; voz 3 no celular do Eduardo
Jaqueline é tomada por uma sensação paralisante de medo e olha para as roupas do Eduardo que ela estava colocando dentro da mala dele. Desmaia.
─ “Alô, alô… não tem ninguém”; diz a voz 3 desligando o celular.
Texto de autoria de
Kenio Nogueira
Escritor, poeta e autor do blog Novelas do Kurushetra.
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