Com passadas firmes ela ia descendo a rua. Pele escura, negra, tão negra que quase desaparecia no asfalto. Houvesse menos luz naquele dia chuvoso, a única possibilidade de enxergá-la era o contraste de sua camiseta branca e seu tênis igualmente alvo com sua tez esplendidamente negra. No firme caminhar podíamos ver facilmente o brilho em seu olhar, mirando o seu destino: o cartório que estava a poucos metros, ao dobrar da esquina daquela rua.
Dado o histórico de colonização alemã da região, ela tem todas as características de uma imigrante haitiana. O país explode em um surto migratório para o mundo inteiro.
Fugindo dos insolúveis problemas que assolam sua terra natal, naqueles passos vigorosos sobre a rua podia-se ver que trazia o pensamento na liberdade da vida que deixara para trás. Os mesmos pés a levam agora ao encontro da esperança de que aqui encontraria dias muito melhores dos que já teve.
A calça jeans e a máscara – que cobria mais da metade de sua face – não conseguiam esconder a pressa refletida no olhar e na respiração que quase podia ser sentida ao longe, tamanha era a decisão e precisão nos seus passos.
Saberia ela que estava prestes a trocar a sua liberdade, até então vivida com fome, por um emprego aprisionador numa vida restrita?
E assim ela ia, com pressa e no contraste da vida, com aquele brilho no olhar garantindo-lhe a esperança de uma nova aurora: simplesmente viver.
Texto de autoria de
Kenio Nogueira
Escritor, poeta e autor do blog Novelas do Kurushetra.
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