Onze horas. E lá vinha ele, Patrick, para mais uma semana de trabalho.
Pilotando sua moto, diminuía a velocidade para respeitar o farol vermelho à sua frente. Não importava o que fizesse, aquele semáforo sempre estava vermelho para ele quando se aproximava do cruzamento das ruas.
E lá estava ela, aquela senhora, na esquina, segurando com a mão esquerda uma caixa de balas pequena.
Na mão direita segurava sempre uma bala, digo, um saquinho transparente de diminutas balas açucaradas enfileiradas umas sobre as outras. Era uma pequenina torre de balas com, no máximo, 10 unidades no saquinho. Na caixa, não havia mais do que 10 ou 20 saquinhos desses.
Trajava sempre um vestido simples, velho, fosse verão, inverno ou outra estação qualquer. Ela estava lá, segurando suas balas e oferecendo aos motoristas dos carros que aguardavam o semáforo esverdear. Às vezes ela tinha a companhia de uma panfleteira de rua, fazendo o seu trabalho, outras vezes de um malabarista de cruzamento... sempre deixando o último malabares cair ao chão. Mas, na maior parte dos dias ela estava sozinha. Ela e suas balas.
Patrick pensava: “Uma senhora de idade, todos os dias aqui, no vento, no sol, frio, calor, vendendo essas balas... e eu nunca vi ninguém comprar, apesar de parar aqui todos os dias. Passo por aqui mais de uma vez ao dia. Por que ela insiste neste lugar?”
Há 2 anos ele fazia aquele trajeto. Passava e parava no cruzamento e observava a cena da senhora segurando as suas balas. Jujuba é nome da bala.
E pensava ainda mais: “Será que ela conseguia tirar o sustento dali? Não eram muitas balas e o valor também não poderia ser elevado, sob pena de não vender nenhuma.”
Como Patrick não gostava de jujuba nunca havia comprado para saber o preço. Mas havia sim a curiosidade matemática em sua mente. De certo modo ele até se mostrava preocupado com a situação da senhora. Afinal, uma mulher já idosa, em pé numa esquina, sozinha, com trajes simples, à mercê do tempo e das intempéries era uma situação, no mínimo, a ser evitada. Era o velho desrespeito social aos mais velhos. Às vezes ela levava uma criança que poderia ser uma neta, talvez. Mas foram raras as vezes que ele presenciou a menina ao lado dela.
Um certo sentimento de compaixão para com aquela senhora invadida o coração dele sempre que parava naquele cruzamento. “A vida não precisava ser assim”, pensava ele. “Aquela mulher poderia estar em condições melhores”.
Um dia, no mesmo horário – 11h, Patrick para no cruzamento. Um desejo repentino de comer algo doce lhe acomete. Resolve então comprar uma daquelas jujubas. Não se sabe se foi aquele desejo ou a curiosidade matemática de saber o preço das balas, realmente; talvez um misto de ambos...
Ziguezagueia com sua moto por entre alguns carros, acelerando e parando bem à frente da senhora, à beira da calçada.
Ela toma um pequeno susto, inicialmente. Mas logo percebe que seria um possível cliente. Naquele momento ela também o reconhece, afinal, todos os dias os dois se viam no mesmo cruzamento: uma espécie de... “colegas de trabalho”.
– “Quanto é a bala?” pergunta ele.
– Um real.
Ele tomou um susto. Não imaginou que fosse tão pouco. Pensava que seria pelo menos uns 5 reais! Sem saber o que falar, pergunta:
– Aceita Pix? Estou sem moeda.
– Aceito... Mas deixa assim. Leva. Um real não é nada. Não vai deixar de levar por isso.
Patrick ainda tenta argumentar dizendo que ele tem como transferir, etc. Mas ela, com a bala que estava costumeiramente em sua mão direita, leva-a até o bolso da jaqueta dele e a enfia lá dentro, bem no fundo... difícil até mesmo para a recusa. Num gesto calmo, bondoso e sereno ela diz:
– Pronto. Pode ir. Tá tudo bem! Não vai fazer falta.
E ele fica sem reação. Agradece. O semáforo abre e ele segue com aquele gesto em seu interior.
“Esta bala vale muito mais, imensamente mais que 1 real. Vale um ensinamento para muitas pessoas. Vale, talvez, uma vida.”
E Patrick segue acelerando; confiante que naquele dia ele ganhou mais do que uma bala....
Texto de autoria de
Kenio Nogueira
Escritor, poeta e autor do blog Novelas do Kurushetra.
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